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Ilustração: Renata Buono

=igualdades

Pandemia sem transparência

Taís Seibt, Luiz Fernando Toledo e Renata Buono | 22nov2021_09h12

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Em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19, o número de pedidos ao governo federal com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) no Brasil subiu 19% em relação ao ano anterior. No mesmo intervalo, os pedidos de informação a agências federais com base na lei de acesso dos Estados Unidos, a Freedom of Information Act (FOIA), tiveram queda de 9%. A Controladoria-Geral da União (CGU) atribuiu essa alta, no Brasil, à busca por informações sobre o Auxílio Emergencial. Mesmo com esse aumento, porém, o número total de pedidos registrados no país é bem menor que nos Estados Unidos: foram 153 mil solicitações feitas no Brasil e 790 mil feitas pelos americanos em 2020. Proporcionalmente à população, os Estados Unidos tiveram o triplo de pedidos que o Brasil: foram 240 solicitações a cada 100 mil americanos, enquanto no Brasil a proporção foi de 72 a cada 100 mil. No mês em que a LAI completa dez anos de sua publicação (a lei foi sancionada em 18 de novembro de 2011 e entrou em vigor no ano seguinte), a agência Fiquem Sabendo faz um balanço de como essa legislação tem funcionado no país, com dados da WikiLAI. Veja no =igualdades:

O número de pedidos protocolados com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) aumentou 19% no primeiro ano da pandemia: foram 153 mil pedidos em 2020 contra 128 mil em 2019. Nos Estados Unidos, nesse mesmo período, as demandas caíram 9%, de 859 mil para 790 mil solicitações. No caso brasileiro, a CGU atribuiu esse aumento à demanda por informações sobre o Auxílio Emergencial, que começou a ser pago em abril de 2020.

Apesar do aumento de pedidos verificado em 2020, os brasileiros ainda fazem menos solicitações que os americanos. No ano passado, o número absoluto de pedidos de informação recebidos pelo governo federal dos Estados Unidos foi cinco vezes maior do que no governo brasileiro. Proporcionalmente à população, conclui-se que, para cada pedido feito no Brasil, foram feitos três nos Estados Unidos. Com 329,5 milhões de habitantes, a taxa de pedidos por cidadão americano foi de 240 a cada 100 mil habitantes, enquanto o Brasil, que tem 212,6 milhões de habitantes, registrou 72 pedidos a cada 100 mil pessoas.

O tempo médio de espera por uma resposta em pedidos de informação nos órgãos federais dos Estados Unidos é de 77 dias. Ou seja: é cinco vezes mais demorado que no Brasil, onde o tempo médio de resposta por meio da Lei de Acesso à Informação é de 15 dias. Dado o volume de demandas recebidas nos Estados Unidos, há pedidos que ficam sem resposta por anos. O último balanço da lei de acesso americana, feito em 2020, mostrou que o pedido mais antigo que ainda aguardava resposta era do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, com 2622 dias de espera – ou seja, sete anos e dois meses.

Um a cada quatro pedidos ou recursos que permanecem sem resposta na Lei de Acesso à Informação (LAI) foram direcionados ao Ministério da Saúde. O órgão soma 64 omissões de um total de 248 no governo inteiro. Esse balanço abarca o período entre 16 de maio de 2012, quando a LAI passou a vigorar, e 10 de novembro de 2021, quando a reportagem fez a consulta no Painel da CGU. Os dados são atualizados diariamente. Dos pedidos ou recursos sem resposta no Ministério da Saúde, 17 estavam com mais de 100 dias de atraso, o que equivale a 26% do total de pedidos ignorados pela pasta. O órgão assumiu a dianteira do ranking de pedidos sem resposta durante a pandemia de Covid-19. Antes disso, universidades e institutos federais costumavam liderar esse ranking de omissão, conforme revelou a newsletter da Fiquem Sabendo, a Don’t LAI to me.

A lei de acesso brasileira também prevê itens de transparência ativa obrigatória, ou seja, informações que devem ser publicadas sem a necessidade de um cidadão perguntar. Uma década após a publicação da lei, no entanto, os órgãos do governo federal ainda deixam de cumprir mais de um terço das obrigações, segundo a Controladoria-Geral da União. Em 10 de novembro, dos 14.271 itens avaliados em mais de trezentos órgãos federais, 5.260 (37%) não atendiam ou atendiam apenas parcialmente os requisitos da Lei de Acesso à Informação. Entre os ministérios, o pior desempenho é do Ministério da Saúde, que cumpre apenas 20% das exigências de transparência ativa: dos 49 itens avaliados, só 10 foram aprovados. Somente três pastas dão um bom exemplo, cumprindo por completo os requisitos: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Ministério das Comunicações (MCOM) e Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

Mais da metade dos 353,5 mil cidadãos que informaram escolaridade ao se cadastrarem no FalaBR para fazer pedidos de informação ao governo federal estão nos mais altos níveis de formação: 139 mil têm ensino superior (39%), 63,6 mil têm pós-graduação (18%) e 31,6 mil têm mestrado ou doutorado (9%). Esses grupos somam 66% dos solicitantes que informaram escolaridade. Na população em geral, a estimativa é de que apenas 17,4% dos brasileiros com 25 anos ou mais tenham diploma universitário, segundo o IBGE. Nos demais níveis, foram registrados 96,7 mil solicitantes com ensino médio (27%), 19,3 mil com ensino fundamental (5%) e 3,3 mil sem instrução formal (1%). Há outros 125 mil usuários registrados no sistema sem escolaridade informada. Os dados foram consultados em 10 de novembro de 2021.

De cada 10 arquivos com algum grau de classificação de sigilo no governo federal atualmente, 7 pertencem ao Comando da Marinha. Em números absolutos: dos 109 mil documentos classificados pelo governo brasileiro, 77 mil são da Marinha (71%). Em segundo lugar está o Comando da Aeronáutica, com 14,3 mil arquivos em sigilo (13% do total). Juntos, esses dois comandos respondem por 84% de todos os documentos classificados. Os dados são do levantamento mais recente da CGU, e as datas de atualização sobre a situação atual variam, em cada órgão, entre 2017 e 2021. Apesar de estabelecer a transparência como regra, a Lei de Acesso à Informação estabelece três níveis de classificação de informação: reservada (cinco anos), secreta (15 anos) e ultrassecreta (25 anos). Passado esse período, as informações são desclassificadas, mas não necessariamente são publicadas, podendo ser solicitadas por meio de pedidos com base na LAI. Uma mobilização da Fiquem Sabendo vem buscando abrir todos os documentos desclassificados pelo governo federal desde 2019: é o projeto Sem Sigilo

 

Fontes: Controladoria-Geral da União; Departamento de Justiça dos Estados Unidos; Banco Mundial; IBGE.

Taís Seibt

Repórter e gerente de projetos da Fiquem Sabendo, agência de dados independente especializada no acesso à informação. Foi repórter e editora do Zero Hora, colaborou com diversos veículos e lidera a iniciativa Afonte Jornalismo de Dados, que promove o conhecimento sobre dados no jornalismo

Luiz Fernando Toledo (siga @toledoluizf no Twitter)

É mestre em jornalismo de dados pela Universidade Columbia e um dos diretores da Abraji

Renata Buono (siga @revistapiaui no Twitter)

É designer e diretora do estúdio BuonoDisegno